sábado, 22 de dezembro de 2007

Mar de memórias*

O sol forte daquela tarde brilhava no céu azul, quase limpo de nuvens. O mar estava agitado, batendo forte na areia branca. De sunga e óculos escuros, Henrique observava o vai-e-vem sem fim das ondas. Decidira ir para Grumari assim que acabasse a reunião de pauta para a edição do dia seguinte do programa que apresentava na TV. A escolha tinha razão: sempre tivera a impressão de que a simples observação do mar o acalmava. Mais que isso: olhar para as águas verdes, tão persistentes diante da força das pedras e da areia era algo reconfortante. O gosto por essa apreciação tinha herdado do pai, seu Acácio. Assim como a predileção por Grumari, dentre todas as outras lindas praias do extenso litoral do Rio de Janeiro.
Acabada a reunião, foi ao encontro de sua praia predileta...
Acácio era um homem simples. Um militar completamente fora dos estereótipos criados – e tantas vezes seguidos – pelos seguidores da caserna. Capaz de ver poesia em tudo, tinha seguido a carreira militar logo depois que a morte do pai o obrigou a responsabilizar-se pelo sustento da mãe, dona Maria de Fátima. Aos vinte e cinco anos, já era terceiro sargento. À época, o casamento com Olga já durava dois anos. E o fruto da união, Henrique, passava dos seis meses de vida.
Olga contava ao filho que na primeira vez em que foram à praia juntos, ele tinha quase um aninho. Foi quando Acácio conseguiu comprar um Corcel 1972, usado, e que seria pago em suaves e intermináveis prestações. Depois da aquisição, a praia era o destino da família em todos os finais de semana ensolarados. E era uma diversão! Acácio acordava cedo para verificar se o carro estava em boas condições para a estrada. Olga e dona Maria de Fátima também saltavam da cama ao raiar do dia. Iam direto para a cozinha, preparar o farnel que supriria a família ao longo de todo o passeio. Alojavam em potes separados porções generosas de macarrão, carne-assada e salada de cenoura. Era o prato típico dos almoços de domingo naqueles tempos bicudos, de orçamento espremido entre a prestação do Corcel e o aluguel do apartamento em que moravam, em Piedade.
Farnel pronto, era hora de Acácio alojar toda a parafernália do passeio no porta-malas do carro. Com cuidado, cadeiras de praia, guarda-sol, esteiras, garrafas de suco de groselha e água e os potes com o almoço eram alojados. Também tinha um espaço para os brinquedos do pequeno Henrique.
Agora, tantos anos mais tarde e diante do mesmo mar de sempre, as lembranças vinham claras à mente do jornalista. Sentia-se como se estivesse assistindo a um filme, tamanho o realismo daquelas recordações e a força dos sentimentos por elas despertados. Só saia de sua viagem quando notava um ou outro banhista acenando em sua direção. Era o preço a se pagar por trabalhar na televisão...! Mas logo se concentrava novamente, e estava de volta ao seu mar de memórias. Memórias que a mãe e a avó lhe haviam transmitido. E também memórias suas, dos tempos em que, já maior, o passeio da família permanecia o mesmo. Época em que, lá pelos sete, oito anos, já não queria brincar de fazer castelos ou de catar os tatuís escondidos nas areias. Queria, sim, ficar ao lado do pai. Gostava de ver Acácio ler os jornais. Lia também. Nos primeiros tempos, os quadrinhos. Depois, passou a ler as páginas sobre esportes. Aos doze anos, ele e o pai já disputavam o primeiro caderno do jornal assim que chegavam à praia.
Depois de uma tarde solitária de lembranças, o sol se despediu e Henrique resolveu que também era hora de se despedir de sua praia preferida. Limpou a areia da calça e entrou no carro - um importado, bem diferente do Corcel do pai. Não abriu a mala, mas teve a certeza de que ela estaria, para sempre, carregada de boas lembranças de seus inesquecíveis verões em família.
*Esse post é um trecho de um pretenso romance que comecei a rascunhar três anos atrás. Deixei de lado, como todos os anteriores que já tentei escrever. Mas hoje, quando começa o verão, lembrei de tantos outros verões e desse texto. Reli, e achei que tem muito a ver com o meu atual jeito de ver as coisas...

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