quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Acorda, Brasil!

Meus amigos me definem como um otimista. Acho que estão certos. Entre tantas formas de ver o mundo, tendo a enxergar sempre a que oferece possibilidades de avanço, crescimento. Creio na melhoria, o que não faz de mim um alienado, claro. Mas é muito difícil pensar dessa forma quando a gente se depara com uma vida real muito, muito diferente do que se acredita ser o melhor. Agora, lendo um post de um amigo, vi um comentário - de um amigo do meu amigo - celebrando a condenação de homossexuais a pena de morte em Gana. 

Sim, celebrando! 

Pode ser uma brincadeira idiota apenas, mas não me engano: muita gente pensa assim. Muita gente acha que as diferenças devem ser eliminadas sempre - como se isso resolvesse problemas criados por ideologias, não pelas pessoas. É gente que quer ver gay morto, pobre exilado em favelas cada vez mais distantes e inóspitas, beneficiários do Bolsa Família voltando a passar fome sem o benefício e menores infratores sendo linchados em praça pública - como voltou a ocorrer hoje. Isso só pra citar alguns exemplos. Gente que coloca o próprio umbigo acima de qualquer valor humanista e que afasta, de pronto, qualquer possibilidade de diálogo e de entendimento com o que lhe parece diverso. Essa gente desorientada que  não vê incoerência entre vaiar o prefeito e celebrar o carnaval atrás do bloco que a prefeitura patrocina - achando o máximo o fato de a folia ter crescido tanto aqui no Rio nós últimos cinco anos. Uma gente de quinta que briga por tudo, que destrata, maltrata e não se retrata. 

Acorda, Brasil. Se o país é essa merda toda, é porque sobra esterco no DNA de todos nós. E não precisa de laboratório nenhum pra constatar: e só sair na rua pra ver. Ou navegar um pouco nas redes sociais...

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A política na era das redes sociais x o caos da informação e das opiniões

Se um amigo turista, capaz de entende português, abrisse o Facebook e fosse ler os meus feeds teria imensa dificuldade para fazer uma leitura racional dos últimos acontecimentos. Isso porque as redes sociais se converteram numa miscelânea de leituras - todas pretensamente politizadas - do momento atual. Um post, compartilhado por uma famosa colunista de O Globo, atribui a Dilma, Cabral e Eduardo Paes a "infiltração de baderneiros nas manifestações". Outro, lança dúvidas sobre a isenção de Marcelo Freixo, do PSOL, e aponta para uma suposta leniência da legenda em relação aos "black blocks". Muitos se arvoram no papel de peritos e duvidam da identidade do rapaz de camisa cinza, divulgando - sem parcimônia - fotos de um outro rapaz, como se fosse esse - até então desconhecido - o responsável pelo lançamento do rojão que atingiu e matou Santiago. E por aí vai...
Entendo a avidez pela "verdade". Mas acho que esse furor, potencializado pelo poder e pela velocidade da informação compartilhada em tempo real pode causar muito ruído. O rapaz da camisa cinza, por exemplo, postou um longo desabafo no próprio Facebook, reclamando do compartilhamento de sua foto e alertando para o fato de ter sido acusado sem provas. "Virei bandido?", pergunta. Se quisesse, poderia processar todos os que compartilharam suas imagens e lhe atribuíram a responsabilidade por algo de que se alega inocente.
Quanto ao uso político das manifestações, nitroglicerina pura. Mas supor que, em ano eleitoral, a presidenta da república esteja por trás das ações violentas desses manifestantes me parece uma hipótese fantasiosa - para dizer o mínimo. Será que os defensores desse argumento não imaginam que Dilma será questionada pelos oponentes exatamente pela inda de protestos violentos que tomaram o país? Esqueceram como o governo se mostrou surpreendido pela violência das mesmas manifestações, o que provocou, inclusive, um pronunciamento em cadeia nacional? Isso tudo é desgaste, gente. Desgaste que a presidenta enfrentou ao se posicionar publicamente sobre o tema - o que, aliás, ela tem feito muitas vezes desde então.
Cabral, que parece ter desistido de governar há tempos, sinceramente não me parece em vantagem ao orquestrar um plano como esse. Toda a sua impopularidade só tem crescido desde o início das passeatas. Adicionar à essa mistura um punhado de violência arruinaria ainda mais sua imagem. Seria a pá de cal sobre toda e qualquer pretensão política futura. 
Eduardo Paes tem a simpatia de boa parte do eleitorado. Pode mudar, mas ainda é assim - sobretudo nas comunidades e no subúrbio. O aumento das passagens de ônibus, definido por ele, está na origem das manifestações cariocas. Mas a impressão que se tem é a de que, apesar de tudo isso, o prefeito atravessa esse momento conturbado sem grandes prejuízos em sua imagem. E isso se deve ao caos vivido pelo carioca por conta das obras para as olimpíadas, às constantes mudanças no trânsito e a outras ações que transmitem à boa parte da população a ideia de que o prefeito está fazendo o seu trabalho. 
Freixo, cujo nome apareceu no noticiário numa manchete que envergonha qualquer jornalista sério, parece realmente correto demais para usar recursos tão odiosos em nome de uma eventual chegada ao poder. Se tem um pecado - e, na minha opinião, talvez seja esse seu calcanhar de Aquiles - foi não deixar claro para a opinião pública que seu apoio se limitava aos manifestantes que foram vítimas de ações violentas da polícia, e que, portanto, não se estendia a black blocks saqueadores de loja, depredadores de agências bancárias e afins. Por boa vontade e, talvez, por uma certa inocência política, acaba tendo o nome vinculado a ações que desagradam o eleitorado que poderia migrar para sua candidatura nas próximas eleições. Resta saber como vai virar esse jogo...
Mas há outros importantes atores políticos em jogo. Gente que quer sepultar Cabral, desestabilizar Paes e inviabilizar Freixo. Há de tudo. A coisa é sempre mais complexa do que parece. Por isso, a meu ver, é preciso ter muita cautela antes de sair compartilhando qualquer coisa por aí. Sem querer,  podemos estar cumprindo exatamente um script elaborado por gente da pior espécie, com as piores intenções. 
Mas essa é apenas a minha opinião...

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Sobre aquele beijo de Niko e Félix...

Sinal dos tempos: dois homens se beijaram em horário nobre pela primeira vez no Brasil ontem
Walcyr Carrasco é um grande autor. Em seu currículo estão sucessos como "Xica da Silva", "O Cravo e a Rosa", "Chocolate com Pimenta", "Alma Gêmea" e "Caras e Bocas". Êxitos que o credenciaram a entrar no rol seleto dos autores que escrevem para o principal horário de novelas da Globo. A estreia foi morna. Não fosse pelo absoluto acerto na construção de Félix e pelo estupendo desempenho de Mateus Solano na defesa do personagem, talvez a novela tivesse se perdido num mar de tramas um tanto quanto frágeis. Mateus Solano levou a novela e deixou na história da TV brasileira um grande tipo, uma criação que será lembrada por muito tempo.
Com 221 episódios, depois de esticada em quase dois meses - o usual é que as novelas das nove tenham 180 capítulos - "Amor à Vida" conseguiu o improvável: promover a conversão de um vilão em protagonista! Detestável ao longo de 80, 85% da trama, Félix se arrependeu dos seus pecados e se tornou ainda mais querido pelo público. Ganhou um amor e, outrora conservadora, a audiência comprou a ideia e passou a torcer pelo happy end do ex-vilão. A pergunta que pairava no ar, no entanto, era: haverá beijo gay?
Horas antes da exibição do último capítulo de "Amor à Vida", ontem, críticos de televisão já especulavam sobre a exibição da cena envolvendo os personagens de Mateus Solano e Thiago Fragoso. Mais que isso: alguns apontavam que a direção da TV Globo estava decidida a romper esse paradigma, derrubando o tabu que ganhou força desde 2005, quando uma cena de beijo da novela "América", entre os personagens de Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro foi surprimida por ordens dos executivos do canal horas antes da transmissão do episódio, frustrando a autora, Gloria Perez, e os demais envolvidos na produção.
Ontem, o Brasil viu um beijo gay em horário nobre. De casa, ouvi gritos de uma torcida anônima, da qual sequer poderia imaginar a existência. Postei isso no twitter e recebi mensagens relatando episódios idênticos em várias partes do Rio, do Brasil. Por telefone, minha mãe contou que foi assim também perto da casa dela. Vejam vocês! Em tempos de tanto preconceito, em tempos cheios de crimes de ódio, há um Brasil que torce pelo amor! E que não se importa se ele une pessoas do mesmo sexo ou não.
Mais do que um desfecho coerente para uma história bem construída entre dois personagens carismáticos, o beijo tem um relevante papel social: ele naturaliza a expressão de uma outra forma de amor, de uma outra possibilidade de ser, de existir e de amar. Há um Brasil que já sabia de tudo isso. Há um Brasil que fingia não ver isso. E há um Brasil que quer negar isso. Ontem, simultaneamente, esses três Brasis viram isso. Hoje, crianças não amanheceram gays. Maridos não largaram suas esposas para ficar com outros homens. Não houve registros de episódios de depravação em locais públicos. Houve, sim, muita gente enaltecendo a beleza do amor, do respeito e da aceitação. Gente impactada pelo beijo sim, mas também - e talvez ainda mais fortemente, pela linda cena final de "Amor à Vida", quando César, o pai homofóbico, aceita e declara seu amor pelo filho gay, fazendo Félix chorar copiosamente. Uma cena antológica, das mais delicadas que a teledramaturgia brasileira já conseguiu produzir. Aliás, vale dizer que quando Walcyr Carrasco apresentou à direção da TV Globo a sinopse de "Amor à Vida" a trama se chamava "Em nome do Pai". Ontem, terminada a exibição do desfecho da novela, percebi que o título original fazia muito mais sentido que o definido para substituí-lo. 
Depois da exibição da cena entre Félix e Niko a Central Globo de Comunicação divulgou uma nota afirmando que a cena acompanha o momento histórico que vivemos. Taí uma verdade: com atraso, sobretudo em relação ao que já vemos nos canais fechados, o beijo de ontem retrata outros tempos, de maior entendimento sobre a diversidade. Um entendimento que está relacionado aos avanços das políticas de Estado, às recentes decisões judiciais e à luta árdua dos militantes sociais, abnegados defensores dos direitos humanos e do respeito à pluralidade. 
O Brasil de 2014 é muito, muito melhor que o de 2005! E quero crer que o Brasil do futuro, daqui a 10, 20, 30 anos, será infinitamente superior ao país que temos hoje.