segunda-feira, 28 de março de 2016

Carta ao ribeirinho...



Oi, garoto. Espero que esteja tudo bem com você...

Resolvi escrever essa carta porque te vi, dia desses, vendendo suas balinhas de cupuaçu numa canoa de madeira, no meio de um braço do Rio Negro. Você oscilava entre o riso tímido e um olhar perdido, incerto, vacilante. 
Eu estava em Manaus, no meio da maior floresta do planeta, passeando. Mas foi a sua expressão o que mais me chamou a atenção...
Olhei pra você e vi um Brasil enorme, ainda tão distante e desconhecido pela maioria dos moradores desta terra. Terra que teve nos seus ancestrais os primeiros habitantes e que, vergonhosamente, fez deles as primeiras vítimas de uma longa história de desrespeito, violência, privações, negação e extermínio. Essa terra tão bela e rica, que insiste em negar à maior parte do seu povo a divisão dessa beleza, dessa riqueza...
Quando te vi vendendo as balinhas de cupuaçu, senti um gosto azedo na boca. E não era do doce! Era o gosto azedo vindo dessa realidade ácida que a gente esconde embaixo dos tapetes, no fundo do rio da desigualdade. Esse rio de águas turvas, caudaloso, profundo. 
Como esse nosso Brasil...
Sim, menino, o Brasil é nosso! É meu e seu. E acho que fiquei comovido com a sua expressão por pensar, logo que te vi, no fato de que tanta gente ignora o fato de que você também é dono de tudo isso aqui. O fato de que você precisa desse país para parar de vender balinhas de cupuaçu no meio do Rio Negro. O fato de que que você devia estar ali nadando, brincando com os peixes, com seus amiguinhos ou com o que quisesse, mas não buscando um jeito de ganhar um trocado a mais pra ajudar na renda da sua família. Muita gente ignora o fato de que você e seus amiguinhos precisam de proteção e, mais que isso, de atenção! Atenção para que não se perpetue o ciclo de desigualdades que condenou por tanto tempo os que nasceram no mesmo lugar que você a um destino traçado na certidão de nascimento. Atenção para permitir que você possa escolher onde e como quer estar no futuro.
Sim, porque, por mais que tanta gente não te veja - ou finja não ver - você tem direito a um futuro!
Aí, garoto, fiquei triste. Triste por lembrar, olhando pra você, que é muito pequeno o número de pessoas que se preocupam com as possibilidades que o país te oferece. Ou com as que devia te oferecer. Triste por ver que as pessoas que têm a capacidade de tomar decisões nesse momento brigam para manter ou conquistar o poder, sem se dar conta de que há milhares de crianças como você precisando de ação. Precisando de políticas públicas que mudem suas vidas. 
Eu realmente estava pensando em tudo isso quando fiz suas fotos. Foi tudo rápido. Você pegou o dinheiro, seu coleguinha começou a remar a canoa simples em que vocês estavam e você logo sumiu da minha frente. Mas seu rostinho não saiu da minha cabeça desde então. Torço para que a vida lhe trate bem. Para que você não seja privado da capacidade de sonhar. Mais: para que você tenha a possibilidade de realizar seus sonhos! E, sobretudo, para que o Brasil não perca a oportunidade de contar com crianças como você na construção de uma sociedade mais plural, mais justa e menos desigual.

Sorte pra nós!


Murilo

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