sábado, 27 de novembro de 2010

Reflexão: Direitos Humanos, inimigos e nossa longa caminhada...

Homens do Exército posicionados para o confronto com marginais no Complexo do Alemão

Os últimos dias têm sido muito tensos no Rio e essa não é uma novidade. Pra mim, as noites se tornaram especialmente complicadas. A gravidade da situação na Penha, Zona Norte da cidade, tem tirado meu sono. Fico imaginando como estão aquelas pessoas inocentes, a dois passos de um confronto que pode virar uma grande tragédia. Penso em seus familiares, nas famílias dos policiais e militares envolvidos na operação. E até nos inocentes que têm parentes envolvidos com o tráfico. Todos unidos pelo mesmo temor. Todos sofrendo.
Hoje, vi a mãe de um traficante preso dizer que nunca concordou com a opção do filho pela vida criminosa. Vi muita verdade no depoimento daquela senhora. Que mãe escolhe para um filho destino tão perigoso? E mais: que mãe tem a coragem de, numa situação como essa, pegar seu filho traficante, número dois da quadrilha, e levá-lo até à polícia para se entregar? Quanta dignidade vi naquela senhora...
Passei todo o sábado vendo telejornais e, de repente, vi a imagem que mais me marcou. Era duas crianças, duas menininhas, de uns 5, 6 anos. Aos prantos, tapando o rosto com as mãos enquanto na comunidade ecoavam os estampidos dos tiros trocados por policiais e bandidos. Que tristeza, meu Deus...
Imagens como essas me fizeram aplaudir a iniciativa das Forças de Segurança, que propuseram a rendição dos criminosos. Essa foi, por si só, uma atitude inédita: a história do Rio mostra que a polícia simplesmente invadia comunidades em conflito, sem se importar com vítimas que não estivessem ligadas ao confronto. Passei a tarde torcendo para que os criminosos se rendessem para que, assim, a invasão e suas consequências indesejadas pudessem ser evitadas.
As horas passaram e não foi o que aconteceu...
E aí, para meu espanto, passei a ver muita gente torcendo por uma invasão imediata. No Twitter, não foram poucas as mensagens clamando por um assassinato em massa dos bandidos. É a lógica do "bandido bom é bandido morto". Algo realmente assustador! Postura que até pode ser compreendida pela sede de vingança de uma sociedade que, ano após ano, ficou cada vez mais refém dos criminosos. Postura que pode ser compreendida, mas, jamais, defendida!
Se hoje temos 500, 600 "inimigos públicos" no Complexo do Alemão, não podemos nos esquecer das outras centenas e centenas deles, jamais declarados, que com suas ações públicas - e, mais ainda, com as secretas - contribuíram para que a situação se tornasse tão grave. Falo de ex-presidentes, ex-governadores, ex-prefeitos, ex-secretários de segurança, ex-deputados, ex-vereadores...! Homens públicos, bem vestidos, de fala mansa, que jamais empunharam fuzis e granadas - pelo menos, não publicamente - mas que, por ação ou omissão, por interesse e/ou por dinheiro, ergueram suas vidas sobre um mar de sangue e uma pilha cada vez maior de corpos de vítimas diretas e indiretas da guerra contra o tráfico. Homens que elegemos para nos representar e que, muitas vezes, além de não terem agido para impedir que o caos de agora se instalasse, ainda atuaram nas sombras para dar mais força àquele que, publicamente, tratavam como "inimigo": o "crime organizado". Crime que, nos bastidores, muitos ajudavam a organizar...
A ação de agora tem todo o meu apoio. Tem a minha torcida. É passada a hora de arrumar a casa, colocar ordem na cidade e dar condições para que todos os seus cidadãos vivam em paz. Mas isso tudo precisa acontecer dentro da legalidade, na observância de todos os Direitos Humanos. E esses direitos são de todos!
Estamos vendo no Complexo do Alemão os primeiros passos para que o Estado cumpra o papel que jamais deveria ter deixado de cumprir: o de estar presente, prestando serviços e garantindo paz e condições dignas de vida para todos os habitantes. Mas esses, como disse, são passos iniciais de uma longa caminhada. Uma jornada que também deve oferecer oportunidades de reinserção social, para que o banditismo deixe de ser a única opção para muitas das crianças e jovens dessas comunidades. E essa jornada deve ser acompanhada por todos os que querem uma sociedade verdadeiramente melhor. E para aqueles que, como eu, não desejam ver essas cenas de guerra se repetindo no futuro.

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