sábado, 9 de setembro de 2006

Indagação

* Posted by Picasa

A primeira pá de terra se foi, sem que acreditasse que aquilo estava mesmo acontecendo. As pernas bambearam, acusando toda a dor daquele golpe. Mais terra. Beijou outra rosa e atirou-a ali também. Último afago que tentava fazer. Último gesto de amor.

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Conhecera-a ainda na universidade. Afoita, risonha, um tantinho presepeira, como toda moça inteligente costuma ser. Gostava de contestar os professores, de citar autores que já havia lido. Sabia de muita coisa. E gostava que soubessem que sabia.
Muitos torciam o nariz para ela. Ele, já encantado, apenas achava graça. Aliás, tudo nela lhe parecia uma graça: a forma como os cabelos emolduravam-lhe o rosto, o castanho-escuro dos olhos, o balanço do andar...
Enamoraram-se rápido. Ele também era inteligente, cheio de amigos. Mais reservado e, paradoxalmente, mais popular. Quando resolveram casar, foram muitos os que julgaram aquela união um equívoco. Não ouviram. O amor que havia entre os dois era supremo demais, grande demais. Estavam certos.
Casados, a vida era só sorrisos. Nunca perderam o ar de namorados. Nunca deixaram de rir um do outro, de achar graça das pequenas bobagens da vida a dois. Falavam-se inúmeras vezes por dia ao telefone. Algumas ligações eram só pra saber se tudo ia bem. Havia também outras, questionando se fazia calor demais. Ou frio demais.
Naquele dia, ela saiu linda pela manhã. Não que houvesse se arrumado mais do que de costume. Mas estava linda. Toda aquela felicidade acumulada nos cinco anos juntos, com certeza, fazia mais efeitos que o melhor dos cosméticos. Ele iria para o trabalho mais tarde e, baixinho, pediu a Deus que a protegesse quando ela saiu de casa. E agradeceu, por ter tão linda companheira, tão dedicada parceira e tão amorosa esposa.
Quando o telefone tocou no meio da tarde, sentiu um inexplicável desconforto. Que se tornou explicável assim que ouviu a mensagem do interlocutor. Assim que as lágrimas desceram-lhe pela face.
Um assalto. Um tiroteio. Uma bala perdida. Seu grande amor, na saída do laboratório de análises clínicas. Alvejada, gritou por socorro. Queria que lhe salvassem, queria continuar vivendo aquele conto de fadas; queria ter o prazer de dizer ao seu marido que o presente mais esperado dos dois estava a caminho.
Não teria essa chance. O presente não chegaria nunca. No leito do hospital, partira chamando por ele.

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E agora era ele quem a chamava. Era ele quem gritava seu nome, peito dilacerado pela dor mais violenta que já tinha experimentado - e que sequer imaginava ser capaz de enfrentar. Olhou para o alto, céu azul, ergueu as mãos e perguntou apenas:
- Por quê?

* Se você está se perguntado o motivo que me levou a escrever esse post, acredite: também me perguntei isso logo depois de tê-lo escrito. Não encontrei resposta melhor do que a ação do subconsciente. Todos os dias, a gente lê milhares de notícias ruins, muita violência. De alguma forma, isso ficou aqui dentro. E hoje, saltou pra tela. Post triste para um início de domingo, eu sei...

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