domingo, 23 de julho de 2006

Crônica de um flerte*

Poderia jurar que o suor da tulipa tinha a mesma causa do seu: o forte calor que assolava o Rio naquela fim de tarde de inverno. Afrouxou a gravata na saída do escritório e decidou: merecia aquele chope. O dia, além de quente, tinha sido infernal também do ponto de vista do trabalho: nada tinha saído como previsto no fórum!
Parou no mesmo bar de sempre, pediu o chope bem gelado e sem colarinho de sempre. Tomou o primeiro gole devagar, saboreando bem a bebida; como se rogasse para que ela levasse consigo todos os problemas que trazia entalados na garganta. Olhos fechados, sentindo o gosto do chope na boca, tomando conta de suas entranhas, refrescando, relaxando, coroando aquele momento só seu. Abriu os olhos. E viu. Não, o momento não era mais apenas só seu...
Sentada numa mesa cheia de mulheres, lá estava ela. Os cabelos pretos, ondulados, pendiam um pouco abaixo dos ombros. Soltos, sacudindo ao sabor do tímido ventinho que começava a soprar. Um lindo colo exposto numa blusa meio hippie; um olhar festivo emoldurado por um par de sobrancelhas grossas e negras. Alice era o nome dela, Maurício ouviu quando uma das moças chamou.
Alice também já tinha reparado nele: adorava caras de terno. Bebendo uma caipirinha, ela fazia charme. Sorria com o cantinho da boca quando as amigas apontavam para o cara encostado no balcão que estava olhando para ela. Sorria com o cantinho da boca e baixava os olhos, para logo levantá-los novamente, encontrando os olhos de Maurício.
As amigas dela encorajavam, ressaltavam os atributos físicos do rapaz e a ausência de uma aliança em sua mão esquerda. Mas Alice era tímida demais. E Maurício também. Por volta do terceiro chope, ele pensou seriamente em ir até a mesa das moças e perguntar se teria problema em se sentar ali. Mas logo desistiu: elas poderiam não gostar. E o bar nem estava tão cheio assim, não faltavam cadeiras pra se sentar. Inclusive ali mesmo, ao seu lado, no balcão.
Alice estava na segunda caipirinha, e seu sorriso já não era mais tão disfarçado. As amigas instigavam para que se levantasse e, numa providencial ida ao balcão - "para apanhar guardanapos" - ficasse ao lado do "bonitão de terno". Que nada! Nem o álcool lhe daria essa coragem. Até que chegou Hamilton, que trabalhava na mesma loja. Ele logo se juntou ao grupo de moças - sentando-se ao lado de Alice e envolvendo-a num abraço.
Do balcão, Maurício viu a cena. Fechou os olhos de novo, como se para apagar o que tinha acabado de ver. Tomou de uma vez o chope restante na tulipa. É o namorado dela, é claro! Pediu a conta, quinze reais. Tá caro! Claro que uma morena dessa tinha que ter namorado! Não, não, pode ficar com o troco. Saiu sem olhar para a mesa.
Na mesa, as moças ficaram em polvorosa! Eram unânimes ao apontar Hamilton como o pivô do fim daquele flerte! Loiro, forte, tatuagem no braço; abraçando Alice. "É claro que o engravatado ia pensar que você é namorado dela!!!"
Hamilton sorriu: "Ah, não tenho culpa! Nem ia parar aqui...só que quando vi aquele bonitão parado no balcão, não resisti!"
*Criei esse blog para exercitar a escrita. Acho que todos meus amigos já sabem disso. Só que, não sei bem por qual razão, os textos que escrevo aqui têm - salvo raras exceções - narrativas e temáticas muito parecidas. Em parte, eu acho, por uma adequação ao meio (textos extensos demais na internet são um saco); e, por outro lado, por uma preferência minha por discutir - inclusive comigo mesmo..rs... - questões como o tempo, a alegria, a saudade...sentimentos. Além das eventuais críticas de shows, músicas, programas de TV e livros.
Pois bem. Hoje, cansei um pouco desse universo. E cá está essa crônica...

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