quarta-feira, 18 de abril de 2007

De volta ao diário do repórter...

Continuam as gravações para a série do "Salto" sobre educação prisional. Terça e quarta as visitas foram a dois presídios, ambos do Complexo penitenciário de Bangu. Um lugar que impressiona bastante pela quantidade de unidades prisionais, uma ao lado da outra. Para quem está acostumado a ouvir falar apenas de Bangu 1, 2 e 3, surpreende saber que, ao todo, são 23 cadeias só naquela região! No total, 15.000 internos povoam as celas escondidas pelas gigantescas muralhas de concreto.
Uma imagem chocante também chama atenção: ao lado de uma das penitenciárias visitadas pela nossa equipe, há um lixão! Ou "aterro sanitário", de acordo com o eufemismo que reina no momento. O que isso pode querer dizer? O lugar do "lixo" é ali, para onde a sociedade manda seus dejetos, tanto os ensacados quanto os algemados? A cena, surreal, cheia de urubus pairando no céu, levantou um debate entre a equipe ainda dentro do carro, pouco antes de estacionarmos. "Eles não estão aqui passando férias", disse um. "Ninguém está aqui porque é santo", argumentou outro, defendendo a tese de que "não era nada demais" haver um depósito de lixo ao lado da penitenciária. "Mas eles são seres humanos, foram julgados, já estão pagando pelos crimes! Têm que ser tratados com dignidade", rebate uma colega. "Você fala isso porque eles não fizeram nada contra alguém da sua família", grita uma voz. Mas a colega não se intimida: "E você, por sua vez, diz isso porque quem está aí dentro não é ninguém da sua família!".
Concordo com ela. É preciso que se entenda que o Brasil não tem prisão perpétua e, muito menos, pena de morte. Portanto, quem está dentro da cadeia vai, cedo ou tarde, voltar ao convívio da sociedade. Por isso é fundamental que essa sociedade que, baseada nas leis, reprovou e condenou as condutas inadequadas/criminosas desses indivíduos, os prepare para esse momento de retorno. Só que essa é uma lógica muito difícil de se perceber, por não ser demagógica. Por, digamos, não "agradar" a audiência.
Dentro da cadeia, converso com um homem de cerca de 40 anos. Marco Aurélio é seu nome. Sua história? Achado numa lixeira, em frente a um orfanato, foi criado sem família. Estudou pouco, precisava trabalhar. Fica claro que se trata de um sujeito que não teve oportunidades na vida - e, embora eu ache que isso não justifica nenhum crime, ajuda a entender o caminho que leva alguém a fazer escolhas erradas. Depois da entrevista, ao saber que sou apresentador do programa, todo comovido, ele me entrega um bilhete com o nome de seu filho. Pede que eu mande um beijo. A atitude me surpreende, e penso nesse filho criado longe do pai. O pai que pra todos nós é o primeiro herói, pra esse menino, é o bandido. É isso que a sociedade deve lhe dizer o tempo todo. E sei que a barra deve ser bem pesada.
E como a nossa praia é educação, gravamos na escola. A professora, toda feliz, me conta que trabalhar dentro do presídio é "melhor do que nas escolas da rede (pública), de fora da cadeia. Aqui eles estão interessados, respeitam o professor, não fazem algazarra, são disciplinados! E querem mesmo estudar", diz. Quem poderia imaginar essa frase?
Na quarta, a gravação foi na penitenciária feminina Talavera Bruce. O espaço, que surgiu como um convento, foi convertido em unidade prisional na década de 40 do século passado. Lá dentro, muitos cursos, algumas oportunidades de trabalho remunerado para as internas - que têm um jornal produzido por elas - e, é claro, o já famoso concurso "Miss TB", que escolhe a musa da penitenciária.
Lá dentro, um dado ficou claro logo de início: as mulheres presas ficam mais acuadas, mais constrangidas que os homens. Parece haver um impacto maior na auto-estima, que logo se reflete no comportamento. Muitas pedem para não ser gravadas, muitas não nos olham nos olhos. Conversando com um integrante da diretoria da unidade, fico sabendo que as quartas-feiras - dia de nossa gravação - são os dias de visita. Surpreso, pergunto ao anfitrião a razão de o pátio estar completamente vazio. "As famílias das presas não costumam fazer visitas", ele me diz, complementando logo em seguida: "Até porque, muitos dos maridos e filhos também estão presos ou já morreram. Geralmente é o homem quem leva a mulher para a vida do crime".
De volta para casa, lembro da frase e fico pensando nos motivos que, de fato, levam alguém a optar por esse caminho. Será que se trata de uma escolha consciente em todos os casos? Pensei e não alcancei a resposta. Só sei que, a meu ver, família, amparo e educação são fundamentais para que não se siga esse rumo. E, também, para que se possa sair dele...
O resultado desses dias de gravação, as entrevistas e outras reportagens sobre o mesmo tema, gravadas no Rio, em Sampa e em Porto Alegre, você poderá acompanhar no "Salto", de 14 a 18/05, ao vivo, às 19h, na TV Escola (canal 27 da SKY). Na TVE, você pode acompanhar as reprises do programa, a partir do dia 15/05, às 9 da manhã.

2 comentários:

  1. Muito interessante, pena que eu tenha NET e que 09h00 em dia de semana seja um horário ruim. Fiquei curioso para ver.
    A última vez que estive num presídio foi em 94, não acredito que tenha mudado tanto, mas ver um outro mundo sempre nos ressucita valores perdidos.

    Abraços.
    http://erotico.blog-se.com.br/

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  2. Sou estudante de Pedagogia, e gostaria de saber como faço pra conhecer esta unidade escolar dentro do presídio, pois preciso fazer um trabalho relacionado a isto. Qualquer informação que possa me ajudar, envie para o meu e-mail por favor: bianca.fs@hotmail.com
    Obrigada...

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