terça-feira, 15 de maio de 2012

Dicotomia

Recentemente, numa conversa com amigos, recuperei um assunto que há tempos me intriga: as diferenças entre o discurso que adotamos em nosso dia a dia e as ações que praticamos cotidianamente. De forma abrangente, essas discordâncias podem ser percebidas quando analisamos, por exemplo, a questão ambiental: às vésperas da Rio +20, nunca estivemos tão informados sobre a importância da preservação dos recursos naturais. Por outro lado, nunca consumimos tanto, nunca descartamos tantos resíduos de forma inadequada e nunca desperdiçamos tanta água.
Achou o exemplo amplo e complexo demais? Pois bem, lá vai outro: hoje, estamos conectados o tempo todo, ligados entre teias e mais teias de redes sociais. Curtimos, comentamos, compartilhamos, tuitamos, retuitamos; criamos e recriamos laços o tempo todo na esfera virtual. Ao mesmo tempo, parecemos ter perdido a capacidade de estabelecer vínculos mais fortes, sólidos. A própria palavra "amigo", popularizada em redes como Facebook e Twitter, ganha novos sentidos: qualquer um vira seu amigo a um clique. Uma vez dado o "aceito", todos caem na vala simples da "amizade" genérica, virtual, numérica. Em geral, todos valem rigorosamente a mesma coisa e essa mesma coisa é rigorosamente nada!
Polêmico? Talvez. É bom avisar que não sou um reacionário e que adoro usar o Facebook. Mas entendo que essas são questões do nosso tempo. E que têm, todas, reflexos sobre a mais profunda das nossas atuais dicotomias: a que envolve nossos relacionamentos sentimentais.
Note bem: se você tem amigos solteiros, é bem provável que os ouça constantemente falando do desejo de "encontrar alguém". Se ouve isso, você também deve escutá-los discorrendo sobre a necessidade de "estar junto", de "namorar", de "viver uma história de verdade, séria". E por aí vai...
Mas acontece que, embora essa discurso esteja presente de modo muito forte em nossa sociedade, ele é completamente antagônico às práticas que adotamos de uns tempos pra cá. Talvez contaminados pela mesma lógica do "descarte", passamos a rejeitar uns aos outros ao menor sinal de desacordo. É fácil como apertar um imaginário botão de "delete" e, assim, expurgar da vida real um alguém qualquer como se faz com qualquer arquivo inútil de computador. É rápido como clicar na opção "desfazer", quando se volta atrás depois de "curtir" um post do Facebook. Assustador!
Eu me assusto porque já estive casado - e gostei verdadeiramente da experiência. E encaro uma relação como uma construção diária, uma negociação permanente - muitas vezes cansativa, é bem verdade - em que um objetivo comum - a vida a dois - justifica muitos dos percalços. Mas pra que essa vida seja bacana, leve, é preciso que não percamos o foco: há de se fazer escolhas! Para que dure - e que seja eterno enquanto durar - é fundamental ter a coragem de abrir mão do que importa menos e investir na realização de um sonho que até pode acabar logo, mas que vai deixar gostinho bom no fim se essa entrega for verdadeira e menos egoísta. Afinal, se cada um seguir olhando apenas para o próprio umbigo, agindo de forma inconsequente e sem disposição de aprender a conviver, esse cenário de dicotomia só tende a se aprofundar. E aí, perceberemos todos que, no fundo, nossa sociedade está mesmo embolada numa rede que mais lembra uma cama de gato... 

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